"É a vida que nos separa"
(é a vida que nos separa)
Tudo começa com uma televisão ligada. E depois vem um computador, um jogo, um jantar de amigos. Aos poucos o mundo ajasta quem se ama. Houve demasiado mundo a separar-nos, e nem o refúgio final de uma cama conseguimos preservar.
Amo-te por não ser capaz de te amar mais.
Ocupamos os mesmos espaços para sermos capazes de nos separar, na mesa onde nos olhamos a pedir que alguém nos salve, nas mãos que agarramos à espera de que a paixão aconteça. Tudo começa com uma paixão que não acontece. E chega a maturidade, a besta da maturidade (e a estabilidade: quão besta pode ser a estabilidade?), à procura de apagar os fogos que já se apagaram há muito. Pensa-se que amar é aquilo, a partilha fúnebre, a sujeição silenciosa, a violência de uma repressão assistida.
Amo-te o suficiente para deixar de te querer.
Fomos derrotados porque somos pessoas. Percebemos que seremos amantes impossíveis para podermos amar-nos para sempre. E o único amor que não morre é o que não se pratica. O hábito faz o fim - não o monge. Os corpos gastam-se e nunca vão sozinhos. E se me pedirem para escolher entre desistir e perder eu escolho desistir. É só assim que jamais te perderei.
Amo-te para sempre e nunca mais te quero ver.
Deixa-me que te beije (os teus lábios: como esquecer que foram os teus lábios que me ensinaram a viver?) para nunca mais te beijar, que te abrace para nunca mais te abraçar. Deixa-me que te ame. Para sempre te amar.
Amo-te até que a vida nos separe.
___________________
in "Prometo Perder", de Pedro Chagas Freitas